
O Brasil tem apenas uma receita criada para o carnaval: o barreado. Foi inventado pelos caboclos do litoral do Paraná, para recuperar as forças gastas na folia. É uma espécie de ragu, à base de carne bovina, toucinho e temperos, que cozinham longamente em uma panela de barro, alta, cônica e gorda, de influência indígena. Antes de ir ao fogo, "barreia-se" a fresta da tampa com um pirão de farinha e água - daí o nome do prato. Os foliões do Nordeste mantêm a tradição de comer filhós - bolinho de farinha de trigo batida com ovos, frito em azeite, passado na calda ou polvilhado com açúcar e canela. Entretanto, é invenção portuguesa. "Nos dias de carnaval, os velhos filhoses portugueses com mel de engenho", ressaltou Gilberto Freyre no livro Açúcar (Global Editora, São Paulo, 2007).
Mas nenhum país supera a Itália em número de receitas para a folia. São principalmente doces. O escritor alemão Johann Wolfgang Goethe, no livro Viaggio in Italia - 1786/1788 (Biblioteca Universale Rizzoli, Roma, 2003), surpreeendeu-se com os excessos alimentares do período. Eram transgressões das normas de moderação ou de penúria vigentes no resto do ano. Em determinado dia, famílias principescas jogavam comida das janelas dos seus palácios. O povo a disputava embaixo. No carnaval italiano, há receitas típicas no Vêneto (em Veneza se realiza famoso carnaval), Úmbria, Toscana, Lazio, etc.
O sucesso de 2011 é a torta arlequim, extremamente colorida, de invenção recente, feita com farinha de trigo, fécula de batata, leite, manteiga, ovos, açúcar, baunilha, casca de laranja, limão, corante alimentar e fermento em pó, coberta com açúcar de confeiteiro e decorada com balas. Homenagem a um dos personagens mais populares da cultura italiana, Arlequim, celebrizado pela Commedia dell’ Arte, teatro popular apresentado nas ruas e praças públicas, em carroças e pequenos palcos.
Arlequim se tornou famoso na Itália do século 15 e depois na França. O caráter trapalhão e hipócrita, um pouco rufião e com apetite voraz, deram popularidade a Arlequim. Vestia roupa feita de retalhos multicoloridos, geralmente em forma de triângulos e losangos.
No Brasil, foi incorporado pelos blocos do carnaval de rua. Agora, é menos visto, embora às vezes apareça coberto de lantejoulas e paetês nos concursos de fantasia. Brincalhão e provocador, atrapalhava a festa e sempre buscava seu par, a bela Colombina. A namorada tinha humor irônico e se envolvia em intrigas e fofocas. Luiz da Câmara Cascudo, no Dicionário do Folclore Brasileiro (Global Editora, São Paulo, 2001), registra a presença de Arlequim no auto popular bumba meu boi e o descreve como "espécie de ajudante de ordens, ou moço de recados do cavalo-marinho, o capitão, o chefe do folguedo, tipo que vem do Arlecchino do antigo teatro italiano (....)".
Músicas brasileiras de carnaval exaltam o personagem. A mais famosa é a marcha-rancho Máscara Negra, composição de Hildebrando Pereira Matos e Zé Kéti: "Tanto riso, oh, quanta alegria/mais de mil palhaços no salão/Arlequim está chorando pelo amor da Colombina/no meio da multidão". Tirou o 1º lugar no carnaval de 1967, foi gravada por Zé Kéti e Dalva de Oliveira, obtendo sucesso nacional. Muitos foliões já pularam embriagados essa marcha-rancho, porque o carnaval brasileiro, considerado o maior do mundo, é uma folia na qual a bebida supera a comida em importância. Alguém lembra da divertida marchinha Cachaça, composta em 1953 por Mirabeau Pinheiro, Lúcio de Castro e Heber Lobato? A letra diz tudo: "Você pensa que cachaça é água/cachaça não é água não/cachaça vem do alambique/e água vem do ribeirão/pode me faltar tudo na vida/arroz feijão e pão/pode me faltar manteiga/e tudo mais não faz falta não/pode me faltar o amor/ há, há, há, há!/isto até acho graça/só não quero que me falte/a danada da cachaça".
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